TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.066 - Disponibilização: segunda-feira, 28 de março de 2022
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Inegável que a relação jurídica estabelecida entre as partes é regida pelo Código de Defesa do Consumidor, que estabelece
como direito básico do consumidor, na defesa de seu direito em Juízo, a possibilidade de inversão do ônus da prova (art. 6º, inc.
VIII, do CDC).
A inversão do ônus da prova em favor do consumidor, contudo, não o exime da responsabilidade de fazer prova mínima da veracidade dos fatos constitutivos do seu direito, nos termos do artigo 373, inc. I, do Código de Processo Civil.
É cediço que as companhias aéreas devem prezar pela segurança dos passageiros, de sorte que os atrasos oriundos de problemas de ordem técnica, por si só, não impõem a responsabilização civil destas empresas, desde que seja prestada de forma
escorreita a assistência material a que estão obrigadas, já que eventuais falhas técnicas estão incluídas no risco do negócio.
Justamente em razão disso é que a mencionada Resolução da ANAC determina padrões mínimos de conduta a serem adotados
pelas companhias aéreas, com vistas a mitigar os prejuízos dos passageiros.
No caso dos autos, verifica-se que houve atraso de cerca de 14 horas no total. O autor foi acomodado em hotel às 08h38min,
consoante documento de ID 25804130 fls. 2, o que confirma o relato exordial, de que o traslado aeroporto-hotel só foi feito às
06h00 da manha, ou seja, mais de 06 (seis) horas após o cancelamento do voo do autor. Além disso, a requerida não comprovou
o oferecimento de refeição.
A respeito do cabimento de danos morais no caso de atraso de voo, o entendimento mais recente do C. STJ1 é no sentido de que,
neste caso, não se admite a configuração do dano moral in re ipsa, devendo ser sopesadas as circunstâncias que envolveram o
caso concreto, especialmente o tempo para solução do problema, o oferecimento de alternativas, o fornecimento de informações
ao passageiro, o oferecimento do suporte material no caso de atraso considerável e se o passageiro, em virtude do atraso, acabou por perder compromisso inadiável no destino, dentre outros.
In casu, observa-se que o voo foi cancelado por condições climáticas desfavoráveis, conforme tela comprobatória colacionada na
contestação (ID 36663530, fls. 2). Todavia, há que se observar o que dispõe a Resolução nº 400 da ANAC, para o caso:
Art. 20. O transportador deverá informar imediatamente ao passageiro pelos meios de comunicação disponíveis:
I - que o voo irá atrasar em relação ao horário originalmente contratado, indicando a nova previsão do horário de partida; e
II - sobre o cancelamento do voo ou interrupção do serviço.
§ 1º O transportador deverá manter o passageiro informado, no máximo, a cada 30 (trinta) minutos quanto à previsão do novo
horário de partida do voo nos casos de atraso.
§ 2º A informação sobre o motivo do atraso, do cancelamento, da interrupção do serviço e da preterição deverá ser prestada por
escrito pelo transportador, sempre que solicitada pelo passageiro.
Inicialmente, há que se observar que a notificação ao autor foi realizada às 02h34min, através de e-mail, ou seja, 03 (três) horas
após o horário previsto para o voo, sem informação a respeito de motivo do cancelamento, e nova previsão de partida.
O traslado do autor ao hotel foi feito após mais de 06 (seis) horas de espera. Além disso, não se comprova o fornecimento de
refeição, em atendimento ao que dispõe a legislação pertinente alhures citada.
Ademais, em que pese o ajuizamento da presente ação judicial, em sua defesa, o réu não esclareceu os motivos do imenso
atraso na assistência material ao autor, utilizando-se de simples telas sistemáticas para afastar sua responsabilidade sob o argumento de ocorrência de excludente da força maior.
Sendo assim, imperioso é o reconhecimento do direito da autora à reparação pelos danos extrapatrimoniais experimentados em
virtude do cancelamento de seu voo e realocação com 14 horas de atraso, sem a devida assistência em tempo e forma previstas
em norma reguladora.
Na fixação do valor da indenização, deve-se observar princípios consagrados por boa parte da jurisprudência como a razoabilidade, o caráter pedagógico e punitivo da medida, vedação ao enriquecimento ilícito, condição pessoal do ofensor e ofendido.
Cotejando tais critérios com as peculiaridades do caso sub judice, considero adequado o valor de R$10.000,00 (dez mil reais), a
título de ressarcimento extrapatrimonial.
Em relação ao pedido de danos materiais, outrossim, também assiste razão à autora, na medida em que a ré não comprovou que
ofereceu assistência de natureza alimentar/refeições, e a autora fez prova dos gastos suportados no hotel.
Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, extinguindo o processo com resolução do mérito,
nos termos do artigo 487, inc. I, do Código de Processo Civil, para o fim de CONDENAR a ré ao pagamento de indenização por
danos morais à autora, no valor de R$10.000,00, (dez mil reais) a ser corrigido pelo INPC a contar da publicação desta sentença,
e com juros de mora em conformidade com os rendimentos da caderneta de poupança desde a citação, bem assim ao pagamento de danos materiais, no valor de R$ 165,00 (cento e sessenta e cinco reais), a ser corrigido pelo INPC a contar do desembolso,
e com juros de mora em conformidade com os rendimentos da caderneta de poupança a partir da citação.
Sucumbente a ré, já que a condenação em danos morais em valor inferior ao pleiteado não importa em decaimento (Súmula nº
326, do STJ) e o decaimento dos danos materiais foi mínimo, arcará com as custas e as despesas processuais, bem como com
honorários advocatícios da parte contrária, ora fixados em 10% do valor atualizado da condenação, nos termos do art. 85, § 2º,
do CPC.
De modo a evitar o ajuizamento de Embargos de Declaração, registre-se que, ficam preteridas as demais alegações, por incompatíveis com a linha de raciocínio adotada, observando que o pedido foi apreciado e rejeitado nos limites em que foi formulado.
Por corolário, ficam as partes advertidas, desde logo, que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais e/
ou com postulação meramente infringente lhes sujeitará a imposição da multa prevista pelo artigo 1026, § 2º, do Novo Código
de Processo Civil.
Arquivem-se os autos em momento oportuno.
P.R.I.
Paulo Afonso - Bahia, 10 de fevereiro de 2022.
PAULO RAMALHO PESSOA DE ANDRADE CAMPOS NETO
Juiz de Direito
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
1ª V DOS FEITOS REL A RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEL, COM, REG PUB E FAZENDA DE PAULO AFONSO