Disponibilização: terça-feira, 1 de março de 2016
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano IX - Edição 2066
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Lúcia Quirino Lopes - Claro S/A - VISTOS etc. MARIA LÚCIA QUIRINO LOPES, qualificada nos autos, moveu ação de
indenização por danos morais, cumulada com obrigação de fazer e não fazer e tutela antecipada em face de CLARO S/A,
qualificada nos autos, porque segundo a inicial, em síntese, em novembro de 2015, fez consulta no SCPC e descobriu que seu
nome estava inscrito em cadastros de inadimplentes por causa de vários débitos relativos a suposta prestação de serviços de
televisão paga, internet e telefone, relativos aos meses de maio, junho, julho, agosto e setembro de 2015, no valor total de R$
1.114,01. Ocorre que a parte autora jamais contratou os serviços da requerida. Com isso, a parte autora, em razão da inclusão
indevida do seu nome em cadastros de maus pagadores, suportou enorme constrangimento à sua honra, devendo ser a ré
condenada a indenizá-la a título de danos morais, numa quantia a ser arbitrada, além de ser declarado inexistentes os débitos
apontados, determinando-se à ré que proceda à retirada de seu nome dos cadastros de inadimplentes sob pena de multa diária,
inclusive em sede de tutela antecipada, nos termos dos artigos 186 do Código Civil, 5º, inciso X da Constituição Federal e 6o,
inciso VI do Código de Defesa do Consumidor. Com a inicial vieram documentos. Deferida a tutela antecipada (pgs. 182/184), a
parte ré foi regularmente citada, e não contestou no prazo legal (pgs. 197 e 219). É o relatório. FUNDAMENTO E DECIDO. O
processo comporta julgamento no estado em que se encontra, sendo desnecessárias outras provas além das já produzidas e
também pela situação de contumácia da ré (artigo 330, incisos I e II, do Código de Processo Civil). No mérito, cuida-se de ação
de indenização por danos morais decorrentes de alegada inscrição em cadastro de proteção ao crédito de maneira indevida por
conduta ilícita atribuída à requerida. A parte autora, no caso, preenche os requisitos do art. 2o da Lei 8.078/90 para ser
considerada como consumidora. Pela lei brasileira, até mesmo uma pessoa jurídica poderia ser considerada como consumidora,
se estivesse na mesma situação. Seria o caso de uma entidade sem finalidade lucrativa, como uma associação esportiva,
adquirir um veículo para ser utilizado pelos seus associados para participarem de eventos esportivos. Em artigo publicado, o
Ministro Aposentado do Superior Tribunal de Justiça, Athos Gusmão Carneiro, tece as seguintes considerações: “Em sinópse: o
consumidor a que se dirige a especial tutela seria a pessoa que, para suas necessidades pessoais, contrata o fornecimento de
bens e serviços, não os repassando a terceiros, nem os utilizando como instrumentos de produção (JACQUES GHESTIN, “Traité
de Droit Civil”, v. II/36).” (“Leasing: O contrato de leasing financeiro e as ações revisionais”, publicado na RJ 237 de julho de
1997, páginas 5 e ss. sem grifos no original) Em relação à requerida, dúvida não há de que se enquadra no conceito de
fornecedora (art. 3º do Código de Defesa do Consumidor). Fixada a premissa básica de que estamos diante de uma relação de
consumo, portanto é aplicável ao caso o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). E o referido Diploma legal estabelece
em seu artigo 14 que o fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa pelos danos causados aos
consumidores por defeitos relativos à prestação dos mesmos, salvo se ficar provado que o defeito inexiste ou ter ocorrido culpa
exclusiva do consumidor ou de terceiro (caput e § 3o). Portanto, estamos diante de hipótese de responsabilidade objetiva,
sendo despiciendo que se constate a presença ou não de culpa da requerida no caso concreto. Nesse sentido: “DIREITO CIVIL
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE MECÂNICA COM DEFEITO INSTALAÇÃO DE PEÇAS INADEQUADAS NO AUTOMÓVEL
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA EMPRESA CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR De acordo
com o disposto no art. 14 do CDC (lei nº 8.078, de 11.09.1990), o fornecedor de serviços responde, independentemente da
existência de culpa, isto é, objetivamente, pela reparação dos danos causados ao consumidor por defeitos relativos à prestação
dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. O fornecedor de serviços,
segundo o § 3º do aludido artigo, só não será responsabilizado quando provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste,
ou que o defeito ocorreu por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. (...)(TJDF ACJ 19990710043983 T.R.J.E. Rel. Des.
Roberval Casemiro Belinati DJU 01.03.2000 p. 47)” (grifos meus) Inequívoco e incontroverso que realmente houve o
apontamento do nome da parte autora em cadastros de inadimplentes (pg. 19), tanto que a requerida sequer apresentou
resposta. Mesmo que a requerida fosse vítima de uma fraude, é fácil constatar que ela deveria também ser considerada
responsável pela inscrição do nome da parte autora no referido cadastro de proteção ao crédito, incidindo na vedação contida
no inciso III do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, é incontroverso que a parte autora jamais solicitou
os serviços de telefonia, de televisão paga e de acesso à internet. A requerida nem poderia invocar, a seu favor, a norma
excludente da responsabilidade prevista no inciso III do par. 3º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Data venia,
não se pode aceitar tal argumento, em que pesem as doutas posições em contrário. Mesmo que se admita que os fatos
ocorreram pela ação de terceiro de má fé que agiu para prejudicar a requerida, não se pode conceber que houve culpa exclusiva
deste fraudador. Ainda mais que a grande maioria das operações praticadas são feitas por telefone. Maior ainda deve ser o
cuidado. Qualquer pessoa pode ter acesso aos dados pessoais de terceiros, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Nem é preciso
que tenha em mãos os documentos. É que informações como RG, CPF e CNPJ estão estampados nos mais variados lugares,
como uma simples folha de cheque, uma embalagem de produto, um outdoor, etc. Assim, o risco de estar contratando com
terceiro que nenhuma ligação com a parte autora tinha era previsível e estava inserido no contexto normal da atividade
desenvolvida pela ré. É muito cômodo e principalmente mais viável economicamente para a requerida manter uma central
telefônica para atender consumidores de todo o país. Trata-se de uma opção lícita, sem dúvida. Mas a requerida também deve
suportar os riscos advindos dessa escolha, pois o que têm sido constatadas ocorrências semelhantes à destes autos com uma
enorme freqüência, nos mais variados ramos de fornecimento de produtos e serviços ao mercado consumidor. Enfim, inexistiu,
portanto, culpa exclusiva de terceiro. A requerida contribuiu de forma decisiva para a lesão ao direito da parte autora de não ter
sua reputação abalada. A norma do inciso III do par. 3º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor se aplica quando
apenas ao terceiro estranho à relação de consumo pode ser atribuída a responsabilidade pelo evento danoso. Quando há culpa
concorrente, como é o caso dos autos, “subsiste a responsabilidade integral do fabricante e demais fornecedores (...) pela
reparação dos danos.” (“Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto”, Ada Pellegrini
Grinover e outros, Forense, 6ª ed., 1999, p. 166, comentários de Zelmo Denari grifos meus) Por fim, mais um motivo de ordem
legal existe para o acolhimento da pretensão da parte autora. Sem dúvida que é possível o apontamento de devedor inadimplente
em cadastros de proteção ao crédito. Mas o artigo 43, par. 2º do Código de Defesa do Consumidor exige que a abertura de
cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada
por ele. Ou seja, antes de enviar o nome do consumidor inadimplente ao cadastro de proteção ao crédito, o fornecedor de
produtos e serviços deve avisá-lo previamente de que irá efetuar a negativação de seu nome, informando o motivo da inclusão
e a origem do débito. E a parte requerida sequer demonstrou que enviou tal correspondência, ainda que fosse ao endereço
fornecido pela pessoa que se passou pela parte autora. Assim, a única conclusão é que a inscrição do nome da parte autora
nos cadastros de proteção ao crédito foi indevida. A respeito, confira-se o seguinte acórdão: “CIVIL CONSUMIDOR DANO
MORAL EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÃO EMBRATEL INSCRIÇÃO INDEVIDA DE NOME DE CONSUMIDOR EM
CADASTRO DE INADIMPLENTES (...) “Diante dos documentos juntados aos autos, percebe-se que tal inclusão, por sua vez,
se deu de forma indevida, eis que o contrato referido foi entabulado com pessoa diferente da autora, que provavelmente fez uso
de seus documentos. Assim, não obstante a demandada ter possivelmente sofrido prejuízo com a suposta fraude, tal fato não
afasta sua responsabilidade, pois deveria ter adotado diligências efetivas e cautelosas no momento da cobrança dos valores,
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