TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.053 - Disponibilização: quarta-feira, 9 de março de 2022
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LUIS CARLOS SOUSA DE ARAUJO, qualificado nos autos, foi denunciado como incurso nas penas do artigo 28 da Lei n.
11.343/06, ao fundamento de ter sido flagrado, no dia 10.03.2020, por volta das 11 horas, no bairro dos Barris, nesta cidade, portando 08 (oito) porções de maconha e 01 (uma) porção de cocaína, para uso próprio, as quais, segundo o laudo de constatação
colacionado aos autos, tinha massa bruta total de 7,44 g (sete gramas e quarenta e quatro centigramas) e 2,53 g (dois gramas e
cinquenta e três centigramas), respectivamente.
Por força do disposto no artigo 66, parágrafo único, da Lei n. 9099/95, os autos foram remetidos a este Juízo.
Passo a exercer o Juízo de admissibilidade da peça acusatória.
Dispõe o artigo 395 do CPP, verbis:
Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).
I - for manifestamente inepta; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
III - faltar justa causa para o exercício da ação penal. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008) (grifo nosso).
Na hipótese versada, embora formalmente típica a conduta atribuída ao denunciado, já que o porte de droga para consumo
pessoal subsume-se ao tipo descrito no artigo 28 da Lei 11.343/06, inexiste a tipicidade material, devendo-se aplicar, por conseguinte, o princípio da insignificância.
Referido princípio, no âmbito penal, é um preceito que reúne, segundo a doutrina, quatro condições essenciais para ser aplicado,
quais sejam, a mínima ofensividade da conduta, a inexistência de periculosidade social do ato, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão provocada.
A doutrina majoritária assevera, pois, que a natureza jurídica do princípio da insignificância é afastar a tipicidade material do fato,
o que retira a conduta do âmbito de proteção do Direito Penal.
No caso posto à apreciação nestes autos, consideradas as circunstâncias em que ocorreu o fato, bem como a ínfima quantidade
de droga apreendida na posse do denunciado, pode-se concluir pela presença de todas as citadas condições referidas acima e,
especialmente, a inexistência de efetiva ofensividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal imputada ao denunciado.
Cumpre destacar, em respaldo a este entendimento, que o STF, no julgamento do HC 110475, de relatoria do Ministro Dias Tófoli,
reconheceu a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância ao porte de droga para consumo pessoal.
Destaca a decisão referida que o sistema jurídico há de considerar que a restrição de direitos do indivíduo somente se justifica
quando estritamente necessária à própria proteção das pessoas, da sociedade e de bens jurídicos que lhe sejam essenciais,
ressaltando que o direito penal não deve se ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor não represente prejuízo
importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.
Cabe mencionar, ainda, por oportuno na análise do tema, embora com outro enfoque, que o STF, através de ministro relator
Gilmar Mendes, em sede de repercussão geral, na apreciação do Recurso Extraordinário (RE) n. 635.659/SP, ainda pendente de
julgamento final, no qual se discute a constitucionalidade do artigo 28 da Lei n. 11.343/06, votou no sentido de dar provimento ao
recurso para declarar a inconstitucionalidade, sem redução de texto, desse dispositivo legal, exercendo ao controle de constitucionalidade da norma e afirmando que:
“[...] o tipo penal previsto no artigo 28 da Lei n. 11.343/06 viola o direito à privacidade e à intimidade, bem como os princípios da
proporcionalidade, da ofensividade e da lesividade, haja vista que não ostenta aptidão para proteger os bens jurídicos declarados
como tutelados, quais sejam, a saúde e a segurança públicas. [...].’
E continua:
“as normas que tipificam crimes de perigo abstrato não podem escapar ao controle de constitucionalidade, por meio do qual se
analisa, ainda que sob contornos abstratos, a lesividade/ofensividade da conduta descrita na norma e a proporcionalidade da
tipificação penal, com base na aptidão de afetação do bem jurídico tutelado e de efetiva proteção pela criminalização da conduta”,
sob pena de se conceder “poderes irrestritos ao legislador para tipificar como crimes condutas desprovidas de periculosidade, em
desatenção ao papel subsidiário do direito penal no ordenamento pátrio”.
Expostas essas considerações, com fundamento no artigo 395, III, CPP, rejeito a denúncia ofertada nestes autos, face à atipicidade material da conduta imputada ao denunciado, o que exclui a existência de infração penal e, portanto, enseja a falta de justa
causa para o ajuizamento desta ação penal.
Após o trânsito, oficie-se o CEDEP (artigo 809 do CPP) e dê-se baixa na distribuição.
Oficie-se, ainda, a autoridade policial, para incineração da droga apreendida, caso tal providência não tenha sido adotada.
Salvador, 25 de fevereiro de 2022.
Rosemunda Souza Barreto Valente
Juíza de Direito
2ª VARA PRIVATIVA DE TÓXICOS
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
2ª VARA DE TÓXICOS DA COMARCA DE SALVADOR
INTIMAÇÃO
8027886-48.2022.8.05.0001 Ação Penal - Procedimento Ordinário
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Gabriel Mendonca Vaz
Advogado: Jaime Cardoso Filho (OAB:BA55818)
Reu: Ministerio Publico Do Estado Da Bahia
Intimação:
Vista ao Ministério Público.
Edvaldo Lino
Técnico Judiciário