5. Cumpriria ao mutuário, portanto, demonstrar as causas concretas e específicas do suposto abuso ou nulidade das cláusulas dos contratos em testilha. Caberia, ainda, ao autor, pretendendo a aplicação da teoria da imprevisão,
demonstrar os fatos supervenientes à contratação que teriam tornado excessivamente oneroso o seu cumprimento, conforme o artigo 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor. A suposta onerosidade excessiva pode
decorrer do próprio conteúdo das cláusulas contratuais, não de fatos externos e posteriores à contratação, a autorizar a aplicação do referido dispositivo legal.
6. Em tempos modernos, a legislação sobre o anatocismo, ao mencionar "capitalização de juros" ou "juros sobre juros", não se refere a conceitos da matemática financeira ou a qualquer situação pré-contratual, os quais
pressupõem um regular desenvolvimento da relação contratual e adimplemento das obrigações assumidas pelas partes. Como conceito jurídico, as restrições a "capitalização de juros" ou "juros sobre juros" disciplinam as
hipóteses em que, já vigente o contrato, diante do inadimplemento, há um montante de juros devidos, vencidos e não pagos que pode ou não ser incorporado ao capital para que incidam novos juros sobre ele.
7. Feitas tais considerações, é de se ressaltar que não há no ordenamento jurídico brasileiro proibição absoluta para a "capitalização de juros" (vencidos e não pagos). As normas que disciplinam a matéria, quando muito,
restringiram a possibilidade de capitalização de tais juros em prazo inferior a um ano. Desde o Artigo 253 do Código Comercial já se permitia a capitalização anual, proibindo-se a capitalização em prazo inferior, restrição que
deixou de existir no texto do artigo 1.262 do Código Civil de 1916. O citado artigo 4º do Decreto nº 22.626/33, conhecido como "Lei de Usura", retoma o critério da capitalização anual.
8. A jurisprudência diverge quanto ao alcance da Súmula 596 do STF no que diz respeito ao anatocismo. De toda sorte, a balizar o quadro normativo exposto, o STJ editou a Súmula 93, segundo a qual a legislação sobre
cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros.
9. Em outras palavras, nestas hipóteses admite-se a capitalização de juros vencidos e não pagos em frequência inferior à anual, nos termos da legislação específica. As normas legais que disciplinam cada tipo de financiamento
passaram a ser um critério seguro para regular o anatocismo.
10. Deste modo, mesmo ao não se considerar como pleno o alcance da Súmula 596 do STF, há na legislação especial que trata das Cédulas de Crédito Bancário autorização expressa para se pactuar os termos da capitalização,
conforme exegese do artigo 28, § 1º, I da Lei 10.931/04.
11. Há que se considerar, ainda, que desde a MP 1.963-17/00, com o seu artigo 5º reeditado pela MP 2.170-36/01, já existia autorização ainda mais ampla para todas as instituições do Sistema Financeiro Nacional. A
consequência do texto da medida provisória foi permitir, como regra geral para o sistema bancário, não apenas o regime matemático de juros compostos e a utilização de taxa de juros efetiva com capitalização mensal, práticas
regulares independentemente de expressa autorização legislativa, mas o "anatocismo" propriamente dito, nos termos apontados nessa decisão, é dizer, a incorporação ao saldo devedor de juros devidos e não pagos em
periodicidade inferior a um ano.
12. Em suma, não ocorre anatocismo em contratos de mútuo pela simples adoção de sistema de amortização que se utilize de juros compostos. Tampouco se vislumbra o anatocismo pela utilização de taxa de juros efetiva com
capitalização mensal derivada de taxa de juros nominal com capitalização anual, ainda quando aquela seja ligeiramente superior a esta. Por fim, a capitalização de juros devidos, vencidos e não pagos é permitida nos termos
autorizados pela legislação e nos termos pactuados entre as partes.
13. O contrato que prevê a disponibilização de crédito em conta corrente, é contrato de mútuo atípico, com juros pós fixados, no qual o capital disponibilizado representa o próprio saldo negativo em conta corrente. Tendo em
vista que não há prazo definido para a amortização do capital nestas condições, o cálculo mensal dos juros remuneratórios com previsão contratual tem autorização legal e não representa, por si, anatocismo nos termos expostos
nesta decisão.
14. A respeito dos limites legais à taxa de juros, há muito não se sustenta a argumentação baseada no artigo 192, § 3º da CF, como é autoexplicativo o texto da Súmula Vinculante nº 7 do STF, entendimento que veio ainda a ser
reforçado pelo STJ com a edição da Súmula 382.
15. O artigo 14 da Lei nº 4.380/64, que só veio a ser revogado pela MP 2.197-43/01, e os artigos 20 e 21 do Decreto-lei 73/66, preveem a obrigatoriedade de contratação de seguro para os imóveis que são objeto e garantia
de financiamento pelas normas do Sistema Financeiro da Habitação. O seguro, nessas circunstâncias, é garantia para o cumprimento da avença, protegendo contra infortúnios o patrimônio do mutuante e do mutuário.
16. É certo que a lei não prevê a obrigatoriedade de que o contrato de seguro seja assinado com a mesma instituição financeira que é parte no contrato de mútuo ou com seguradora por ela indicada. Para que se considere abusiva
a contratação do seguro juntamente à contratação do mútuo ou abusivo o reajuste dos valores pagos a este título, no entanto, as quantias cobradas a este título devem ser consideravelmente superior às taxas praticadas por outras
seguradoras em operação similar. A alegação de venda casada só se sustenta nessas condições, ou se a parte Autora pretender exercer a faculdade de contratar o seguro junto à instituição de sua preferência, o que não requereu
no caso em tela.
17. Apelação a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003213-38.2017.4.03.6102
RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
APELANTE: DI MARIOTTI SERVICOS DE CORTE E COSTURA DE CALCADOS LTDA, GERALDO MARIOTTI, HERCILIA CANICEIRO MARIOTTI, MATEUS MARIOTTI, MARINA
GASPARINI FANTACCINI MARIOTTI, EDUARDO MARIOTTI, FERNANDA CHICONELI DOS SANTOS MARIOTTI, WILSON CARLOS MARIOTTI, ADRIANA CRISTINA DOS
SANTOS MARIOTTI
Advogados do(a) APELANTE: PAULO ROBERTO PRADO FRANCHI - SP201474-A, RALSTON FERNANDO RIBEIRO DA SILVA - SP318140-A
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APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003213-38.2017.4.03.6102
RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
APELANTE: DI MARIOTTI SERVICOS DE CORTE E COSTURA DE CALCADOS LTDA, GERALDO MARIOTTI, HERCILIA CANICEIRO MARIOTTI, MATEUS MARIOTTI, MARINA
GASPARINI FANTACCINI MARIOTTI, EDUARDO MARIOTTI, FERNANDA CHICONELI DOS SANTOS MARIOTTI, WILSON CARLOS MARIOTTI, ADRIANA CRISTINA DOS
SANTOS MARIOTTI
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APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
R E LA T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta por DI Mariotti Servicos de Corte e Costura de Calcados Ltda. e outros em face da sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial.
Alegam os apelantes, em síntese, cerceamento de defesa, aplicação do CDC, prática de capitalização e cobrança abusiva de juros, venda casada de seguros.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 19/05/2020 405/3155